sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

O Servilismo que nos Está no Sangue




O problema é antigo, e parece que nos está no sangue. Dizem-nos que o herdámos do tempo do "botas" , que nos obrigou ao servilismo. Não acredito. A coisa vem mais de trás, do princípio da nossa história enquanto nação, com Egas Moniz a confundir honra com servilismo ( numa "interpretação" muito minha, e livre, da História...) quando foi pedir perdão e oferecer a sua vida e da sua família em resgate  a Afonso VII por D. Afonso Henriques se ter recusado a prestar vassalagem ao primo, conforme lhe prometera Egas Moniz, se este levantasse o cerco a Guimarães.  Sempre tivemos esta tendência para a servidão, para a obediência cega e parva, sem questionamentos. Somos assim; desenvolvemos, de facto, como nenhum outro povo da Ibéria,  a arte de "engolir sapos", mesmo se eles são de difícil digestão, e mostrar um sorriso,  por mais amarelo que seja.

Se vamos ao senhor doutor para tratar das maleitas que nos afligem, lá vem a promessa de, pela Páscoa, lhe fazermos chegar um borreguinho ou um cabritinho desmamado, tenrinho, ainda a saber a leite, sim,  claro, porque  o médico nos vai aliviar das dores que carregamos. 

Os mais pobres podem sempre ofertar um queijinho ou um chouriço lá da terrinha. O físico, impante na sua cátedra inquestionável e impenetrável, a olhar-nos por cima dos óculos, diz que sim, que gosta e, na troca de uns placebos,  lá mais para a frente poderá seguir também para o consultório  um perú pelo Natal.                                                                                                            
Ainda hoje, mesmo acedendo a um Serviço Nacional de Saúde pago com os nossos impostos, não conseguimos deixar de olhar para o médico como alguém a venerar servilmente, em lugar de o vermos como profissional que é, pago para tratar-nos da saúde. A esta imagem, talvez mais diluída nos meios urbanos, juntam-se outras que têm a ver com o sacerdote católico, o pastor protestante,  o advogado, com o cabo da guarda, com o presidente da Câmara, etc, a quem dedicamos ridículos e servis  encómios numa atitude borrega, sem paralelo conhecido a não ser o da  nossa triste vocação para desistirmos com facilidade de exibir a dignidade que reside no simples facto de sermos seres humanos e cidadãos na  plenitude da igualdade de direitos e deveres que independe da posição social que ocupamos . Somos, quiçá, dos únicos países do mundo chamado desenvolvido a achar que títulos académicos fazem parte, ou devem  usar-se em lugar dos nomes de registo ou baptismo. Um país de doutores e engenheiros em que, mesmo aqueles que o não são exigem tratamento deferente como se o fossem. Doutor para aqui, doutor para ali, senhor engenheiro para isto senhor engenheiro para aquilo. É cultural, dizem-nos. Sim, até pode ser, mas não passa de uma cultura de penacho que assenta num servilismo a raiar a falta de coluna vertebral que se liga com a facilidade com que a vergamos por tudo e nada.

Clara Ferreira Alves constatava, numa das suas habituais e recentes crónicas no Expresso, que "outros países estão a conseguir atravessar a crise da dívida com a dignidade intacta" e só "Portugal resolveu transformar-se num país habitado por bonecos das Caldas". Dizia ainda  que "o nosso desejo de agradar, de servir, perde-nos. Faz-nos perder o respeito por nós próprios". Também, num outro registo, a mesma Clara Ferreira Alves, em reportagem sobre os estragos provocados pelo furacão Sandy, nos Estados Unidos da América, e para o mesmo semanário, constatava que os milionários de Manhattan, a deslizarem nos seus carros de luxo como se fossem os donos do planeta, não fazem a menor ideia de como vivem os pobres. "Usam-nos como serviçais, e proporcionam-lhes empregos com estatuto de invisibilidade. Os portugueses, da comunidade em Newark, são famosos pela sua honestidade e por serem criados, governantes  e mulheres da limpeza de confiança. Gente que se pode meter dentro de casa. Simples, discretos, invisíveis. Sem nome nem história".

Também é certo, por aquilo que diz Clara Ferreira Alves, que pudemos, e devemos,  interpretar essa atitude dos trabalhadores portugueses nos E.U. da América, por exemplo, como francamente profissional: fazem o seu trabalho com correcção, executam as suas tarefas com profissionalismo e não se metem, mais do que devem, na vida dos outros, especialmente dos seus patrões. Mas também pode ser que o servilismo cultural dos portugueses os ajude a isso tudo.

Quando Portugal esteve sob dominação espanhola, esta cultura de servilismo era levada ao extremo para com a corte Filipina. Refere a História de Portugal coordenada por José Mattoso, no volume 5.3,  que na corte de Filipe III [de Portugal], em Valladolid, os Castelhanos zombavam da soberba e vaidade dos portugueses: «não cuida um fidalgo português se não em que entrando na Corte, a hão-de assombrar, com os seus lacaios mais rica e custosamente vestidos do que nunca seus bisavós o fizeram nas suas vodas. Claro que o objectivo destes fidalgotes que se deslocavam a Valladolid,  emproados, empoados e seguidos pelo seu séquito de serviçais, era essencialmente  o de bajular o rei  e assim conseguir prebendas e favores políticos. Verificamos que, afinal, o servilismo é transversal na sociedade portuguesa e já vem de antanho.

O que sabemos hoje é que dignidade não rima com servilismo e que este não deve ser confundido com capacidade de realização e disponibilidade para correcção no nosso relacionamento com tudo e com todos.

Jacinto Lourenço


( texto editado em Setembro 2012 )

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

O Barroco Português e A Obra de Arte Total Wagneriana








A verdadeira aspiração da arte é, pois, aquela que tudo abrange 1
                                     Richard Wagner

Estamos habituados a que quando se fala de Richard Wagner o tema seja apenas música, mas o compositor marcou o seu tempo, e o tempo pertencente ao futuro, também como inventor,  por assim dizer, do conceito de Obra de Arte Total.  Ele lamentava que na ópera do seu tempo a ênfase estivesse apenas colocada sobre a música, ao contrário do que acontecia nas representações gregas da antiguidade onde a música dialogava com todo um conjunto de especialidades artísticas visando o envolvimento total dos participantes no espectáculo. Este conceito desenvolvia-se à volta do pressuposto de que as diferentes expressões artísticas, envolvidas na produção da Obra de Arte, deveriam conjugar-se e complementar-se numa lógica narrativa em que pudesse ser reconhecida uma unidade formal contextualizada na obra que é apresentado ao público e na qual este  deveria sentir-se  como fazendo parte integrante da mesma. Claro que aqui estamos a pensar no plano principal do ofício de Wagner, isto é, o de um espectáculo musical que fosse realmente englobante e levasse o público à sensação de ser parte do todo que era esse espectáculo, e não apenas uma figura passiva do mesmo.
    
O compositor  considerava que as diferentes formas de expressão artística  até então se tinham fechado como que num círculo involutivo, pouco interessante para os espectadores, e  que não poderiam romper por si só, mas apenas em complementaridade, umas com as outras,  seriam capazes de desenvolver e apresentar novas propostas estéticas ou, se quisermos, uma nova narrativa integrada, de ordem artística.  É neste contexto, aliás, que Wagner escreverá,  num estudo intitulado A Obra de Arte do Futuro,  que  O homem artista só pode satisfazer-se perfeitamente na união de todas as modalidades artísticas na obra de arte colectiva. No isolamento de uma das suas capacidades artísticas será não-livre, será não inteiramente aquilo que pode ser; pelo contrário, na obra de arte colectiva será livre e será inteiramente aquilo que pode ser2 
    
Mas afinal Wagner não dizia nada de muito novo uma vez que  Gian Pietro Bellori, nascido em Roma (1613-1696), e porventura  a mais alta referência da cultura artística do seu tempo em toda a Europa, com o seu conceito de Bel Composto  já tinha teorizado sobre os princípios globalizantes da Obra de Arte.

Também no território português se  identificavam já, antes de Wagner,  excelentes exemplos daquilo  a que, numa outra dimensão artística,  o compositor viria a designar por Obra de Arte Total.  Este conceito Wagneriano já se encontrava integrado pelo Barroco Português através desse outro conceito do Bel Composto de Bellori.  Isto não quer dizer, naturalmente, que os dois conceitos sejam um e a mesma coisa, mas na verdade regem-se pelos mesmos princípios globalizantes de encarar a Obra de Arte,  distanciados, claro, por essas fronteiras chamadas tempo e realidade contextual.                                                                                                                                           
Precisamos esclarecer que quando Wagner fala de arte colectiva,  fala da síntese de múltiplas expressões artísticas que se conjugam no sentido de uma Obra de Arte Total, a Gesamtkunstwerk.  Mas, como dizemos,  esta síntese de múltiplas expressões artísticas já tinha sido experimentada e concretizada no Barroco português por via do conceito de Bel Composto. 

Luis de Moura Sobral, professor na Universidade de Montreal e especialista em pintura Ibérica do século XVII,  diz que  é a partir de 1660  que  se verifica em Portugal uma tendência para a concepção globalizante e unitária de um certo número de espaços construídos, o que se levará a cabo através de programas  decorativos envolventes, quase sempre de grande riqueza 3   Segundo o mesmo autor,  o Bel Composto estrutura-se em certas unidades […] mais simples […], compósitas, ou mais complexas […] que o historiador tem de ordenar para reconstruir o itinerário ou itinerários narrativos ou simbólicos previstos pelos respectivos autores .   Há,  já, na complementaridade das técnicas utilizadas no  Bel Composto visto em Portugal,  uma narrativa iconográfica que introduz um diálogo  temático, ou de diferentes temáticas,  entre si,  no sentido de explorar estéticas que levem os públicos a posições de simples auto-contemplação ou de expectação espiritual face à  envolvência  artística global em que se encontram.4

Neste curto texto, talvez a nossa melhor expectativa seja a de que, quem nos lê, perceba exactamente o conceito wagneriano de Obra de Arte Total, em toda a sua dimensão, de acordo com o que Wagner teorizou, olhando para uma mesmo aqui “à mão de semear”. Falamos do Convento/Palácio/Biblioteca /Basílica de Mafra. Como diz o seu director no sitio do  Palácio, no Google,  Mafra é arte com sentido – a certificação, o espectáculo, a representação do poder. Mafra é o esplendor do Barroco ! Estamos perante o monumento português que melhor reflecte o que podemos chamar de Obra de Arte Total: arquitectura, escultura, pintura, música, livros, têxteis. Um Património tipologicamente pensado […] que aqui configura uma realidade única. 

Jacinto Lourenço
2019, Dezembro
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     Wagner, Richard - A Obra de Arte do Futuro. 1ª ed. Lisboa, Antígona, 2003, p.177
2       Wagner, Richard - A Obra de Arte do Futuro. 1ª ed. Lisboa, Antígona, 2003, p.177
      Sobral, Luis de – Un bel composto: a obra de arte total do primeiro Barroco português, p.303
4      Sobral, Luis de – Un bel composto: a obra de arte total do primeiro Barroco português, p.305  

                                                                                                                                                                                                                                                                                      

    http://www.palaciomafra.gov.pt/pt-PT/Apresentacao/ContentList.aspx


sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A Inauguração do Canal de Suez e Eça de Queiroz em Congresso 15-18 Novembro 2019 Lisboa















Programa do Congresso “Eça de Queiroz, nos 150 anos do Canal do Suez” (15-18 de Novembro de 2019)

15 de Novembro | Sociedade de Geografia de Lisboa 

10h00 | SESSÃO DE ABERTURA
10h15 | PAINEL I (Moderação de Renato Epifânio)
Alfredo Campos Matos | VINTE PERGUNTAS PARA EÇA DE QUEIROZ E RESPECTIVOS COMENTÁRIOS
Ana Margarida Chora | EÇA DE QUEIROZ, AS BAILARINAS DO SUEZ, FATMÉ E A ALMEIA DE FLAUBERT
Breno Góes | UM CONTADOR DE HISTÓRIAS NO AUGE DO IMPERIALISMO: NOTAS SOBRE A ESCRITA JORNALÍSTICA DE EÇA DE QUEIRÓS A PARTIR DE “OS INGLESES NO EGIPTO”
Jorge Chichorro Rodrigues | EÇA DE QUEIROZ, O «IRÓNICO PEREGRINO» DO ROMANCE «A RELÍQUIA»
Paula Oleiro | A INFLUÊNCIA DO ORIENTE NA FICÇÃO QUEIROSIANA
Ricardo António Alves | PAISAGEM SOCIAL E ESTEREÓTIPO, ESTESIA E ESPALHAFATO: O EGIPTO VISTO POR EÇA DE QUEIROZ (1869) E FERREIRA DE CASTRO (1935)
Rui Lopo | EÇA DE QUEIROZ E O ORIENTALISMO PORTUGUÊS
12h45 | ALMOÇO
14h15 | PAINEL II (Moderação de Rui Lopo)
Adriana Mello Guimarães | EÇA DE QUEIROZ E A REVISTA DE PORTUGAL: A CONCRETIZAÇÃO DE UM SONHO
César Tomé | VESTÍGIOS DE KANT NA ANTROPOLOGIA ECIANA (A PROPÓSITO DA VIAGEM DE EÇA DE QUEIROZ À INAUGURAÇÃO DO CANAL DO SUEZ)Liliane Correa Faria Pinto | O EGIPTO DE DOM PEDRO II E EÇA DE QUEIROZ
Luís Manuel de Araújo | O EGIPTO DE EÇA DE QUEIROZ, 1869
Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly | ESTUDO COMPARADO ENTRE EGIPTO DE EÇA DE QUEIRÓS E TAHRIR DE ALEXANDRA LUCAS COELHO
Manuel Curado | EÇA DE QUEIROZ E O ESPIRITISMO: A CURIOSIDADE OITOCENTISTA SOBRE O SUEZ DO ALÉM
Mendo Castro Henriques | EÇA DE QUEIROZ, UM CRIADOR DE MAPAS DA EXPERIÊNCIA HUMANA
16h45 | INTERVALO
17h00 | APRESENTAÇÃO DE OBRAS
18h30 |ENCERRAMENTO

16 de Novembro | Casa do Alentejo de Lisboa (Almoço/ Tertúlia)

17 de Novembro | Passeio Cultural pela "Lisboa de Eça e da Geração de 70"

18 de Novembro | Biblioteca Nacional de Portugal

10h00 | SESSÃO DE ABERTURA
10h15 | PAINEL III (Moderação de Renato Epifânio)
Alexandre Honrado | 1900. QUE SÉCULO MORREU AO DESPEDIR-SE DE EÇA?
Antonio Augusto Nery | DIÁLOGOS COM O EGIPTO (EÇA DE QUEIROZ)
Fabrizio Boscaglia | EÇA DE QUEIROZ E O ISLÃO NO CONTEXTO DA GERAÇÃO DE 70
Maria do Carmo Mendes | À PORTA DO ORIENTE: A POESIA DE ANTÓNIO FEIJÓ
Maria Cristina Pais Simon | O EGIPTO “PASSEADO E COMENTADO” POR EÇA DE QUEIROZ
Mário Vítor Bastos | UMA NOVA PASSAGEM MARÍTIMA DA ÍNDIA PARA PORTUGAL: MÉDIO ORIENTE E ORIENTALISMO EM EÇA DE QUEIROZ
Miguel Real | EÇA DE QUEIROZ NA FICÇÃO CONTEMPORÂNEA
12h45 | ALMOÇO
14h15 | PAINEL IV (Moderação de Octávio dos Santos)
Annabela Rita | DA “CHRONICA” À “CRÓNICA”: TRAVESSIA(S)
Diógenes Pereira da Silva | SIMPATIA PELO DEMÔNIO: TENSIONAMENTO DAS FISSURAS A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS EM TERRITÓRIO DE DISPUTA
Maria Serena Felici | ENTRE INFRAESTRUTURAS NOVAS E ORDENS SOCIAIS ANTIGAS: O PROGRESSO COMO CONTRADIÇÃO NA OBRA JORNALÍSTICA DE EÇA DE QUEIROZ
Mónica Figueiredo | RASCUNHOS PARA UM ATLAS DO ROMANCE QUEIROSIANO
Patrícia da Silva Cardoso | NO CANAL DE SUEZ, A BORDO COM EÇA DE QUEIRÓS E ÁLVARO DE CAMPOS
Teresa Pinto Coelho | EÇA, DISRAELI, GLADSTONE E O CANAL DO SUEZ
Vera Mahsati | “CÂNTICO DA CARNE EXALTADA” OU “EXIBIÇÃO IMORAL”? A ORIGINALIDADE E VANGUARDISMO DE EÇA DE QUEIROZ NA SUA INTERPRETAÇÃO DAS DANÇAS DO MÉDIO-ORIENTE NO FIN DE SIÈCLE
16h45 | INTERVALO
17h00 | APRESENTAÇÃO DE OBRAS
18h30 |ENCERRAMENTO

O Congresso é de Entrada Livre, sem necessidade de inscrição prévia. Para se inscrever no Passeio Cultural e/ou no Almoço/ Tertúlia: info@movimentolusofono.org
organização:

Revista NOVA ÁGUIA | MIL: Movimento Internacional Lusófono | CLEPUL: Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.


Parcerias:
Academia Lusófona Luís de Camões
Biblioteca Nacional de Portugal
Cátedra Infante Dom Henrique (Universidade Aberta/CLEPUL)
Centro Cultural Eça de Queiroz
Círculo Eça de Queiroz
Fundação Eça de Queiroz
Fundação Lusíada
Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes
Instituto Fernando Pessoa
Instituto de Filosofia Luso-Brasileira
Observatório de Língua Portuguesa
Revista Letras Com(n)Vida
Sociedade de Geografia de Lisboa
SHIP: Sociedade Histórica da Independência de Portugal

terça-feira, 12 de novembro de 2019

O Mal que nos Faz a Saúde em Portugal.



E não há nenhum exagero no que é referido por Ricardo Paes Mamede no texto publicado no Diário de Notícias. Experimentei isso, recentemente, ao ter que ir a uma consulta de dermatologia no SNS por causa de um sinal que estava a ganhar contornos estranhos. A médica, muito admirada, perguntou-me como é que tinha conseguido a consulta para ela uma vez que a sua consulta estava com um tempo de espera de 2 anos...? Ela reparou, e bem, que eu não tinha esperado nada parecido com isso. Lá expliquei.                                                                                                    

Mas eu também percebi, com o tempo que estive à espera para ser atendido, que muitas pessoas de família de doentes estavam no corredor do serviço de dermo a fazer, literalmente, 'esperas' aos médicos para apelarem por si próprios, ou por um familiar, por se encontrarem em situações aflitivas. Se podiam ir ao privado ? Claro que podiam. O problema é que, depois, o seguimento das consultas é para cirúrgia e, como sabemos, o sistema privado cobra por tabelas incompatíveis para os utentes que habitualmente recorrem ao SNS. Se estes podiam ter um seguro de saúde ? Claro que podiam ! Mas,como sabemos, as seguradoras só contratam seguros de saúde a pessoas mais jovens, que dão pouca despesa... Fogem aos de mais idade como o diabo da cruz e, se não fogem, querem cobrar dois ou três milhares de euros/ano para efectivar um seguro de saúde com coberturas que mais parecem saídas do guião de um programa de humor.                                                                                          
Se após os 65 anos alguma seguradora faz um seguro de saúde ? Não, não faz ! A não ser aquelas da publicidade massiva nos programas da manhã e da tarde, nas tv's generalistas, e que se podem configurar quase como burlas para incautos. É assim que se trata a saúde em Portugal.

Jacinto Lourenço  / Nov.2019




quinta-feira, 6 de junho de 2019

75 Anos Depois





1944, JUNHO, 06. NORMANDIA, FRANÇA. OPERAÇÃO OVERLORD.


Foi o dia e o local em que a barbárie nazi começou, decidida e consolidadamente a ser esmagada. Completam-se hoje 75 anos.
Os aliados chegariam ao coração da Alemanha nazi, Berlim, em Abril de 1945. As tropas de Estaline seriam as primeiras a entrar, para travar, aquela que foi, porventura, a última batalha da 2ª Guerra Mundial. Nessa altura a desproporção de meios de combate e tropas era abismal. Cerca de 100.000 soldados alemães, a maioria jovens e velhos recrutados à última hora, para cerca de dois milhões de russos que cercavam a cidade, bem equipados, motivados e apoiados por um enorme dispositivo em equipamento aéreo e terrestre. Berlim caiu, e com ela a Alemanha nazi.
O que aprendeu a Europa com a Segunda Guerra mundial e o desaparecimento, causado por ela, de cerca de cinquenta e cinco milhões de pessoas? O que aprendemos nós, depois de 75 anos passados ?
O ambiente político à época, que levou à guerra, embora com raízes e causas muito diversas, não deixa de apresentar algumas semelhanças com os dias que se vivem hoje em quase todo o território europeu: populismos e nacionalismos exacerbados e a recrudescer todos os dias.
Seria bom bom que todos, e especialmente os líderes políticos, pudessem tomar mais atenção aos livros de história. É crucial que as novas gerações, apesar dos anos que as separam do episódio que se celebra hoje, possam ser ensinadas e esclarecidas sobre o que se passou durante a Segunda Guerra Mundial e os motivos principais que levaram até ela. Esse é um princípio fundamental e os europeus nunca poderão perder de vista que a ele estão subjacentes a Paz e os VALORES que nos enformam !
Em todos os países europeus se devia celebrar hoje o DIA DA MEMÓRIA. Em todas as escolas, em todos os graus, se deveriam consagrar algumas horas de aulas a esclarecer os jovens sobre esta temática. Conferências e sessões de esclarecimento deviam ser promovidas em locais públicos, abertos a toda a população, se possível com testemunhos de pessoas que tivessem ainda vivas as memórias do que foi viver o pós-guerra nos diversos países. Para que todos saibam que a liberdade, a paz e o bem estar de que usufruem hoje teve um preço muito elevado pago por gerações que nos antecederam, mas também de muitos homens, que nem sequer eram europeus e que vieram combater e morrer pela Europa e pelos europeus. O exercício da memória e do reconhecimento pelos que combateram e deram a vida por valores que nos são caros será sempre o mínimo que podemos fazer e quem não quiser perceber isso, não poderá perceber nada da vida que vive e como a vive.




Jacinto Lourenço, Junho, 2019

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Uma Conversa de CACA...






Com tantos temas interessantes para falar, logo me havia de dar para isto, uma conversa de...
Explodiu nas cidades e vilas portuguesas um último modismo, quiçá importado de alguns países europeus 'mais à frente' do que Portugal: a posse de animais domésticos por camadas da população que acham que isso lhes dará um ar mais civilizado e, eventualmente, mais 'chique'. Até aqui nada de anormal, eu próprio, não sendo particularmente admirador de gatos, gostaria de ter um ou dois cães se para tal tivesse condições, e resumo 'condições' como um espaço aberto contíguo à habitação onde os ditos se pudessem exercitar e desenvolver normalmente de acordo com as suas necessidades físicas e lúdicas. Não o tendo, não me acho no direito de confinar um cão, qualquer que seja o seu porte, a um recanto da marquise ou da varanda. Isso, quanto a mim, é exercer uma violência que nenhum canino merece. Mas pronto, são opções e minha opinião.

Agora, o que não percebo, nem nunca entenderei, é que uma grande parte dos novo(a)s possuidores de cães afirmem amar os animais e depois os confinem durante horas esquecidas a uma reclusão que nenhum animal realmente merece, muitos deles saindo à rua apenas quando os donos acham que eles precisam de se aliviar.

E nesse momento temos outro problema; quando vejo um ou vários cães a passearem nas traseiras relvadas da minha casa, fico sem saber quem 'se alivia' mais, se o canino ou o humano... É que se o animal não pode fugir às suas necessidades fisiológicas após horas encerrado no apartamento e faz o que a natureza o chama a fazer, o  seu dono humano, pelo contrário, não faz o que tem que fazer e que consiste em limpar os dejectos depostos, mais conhecidos por 'caca',  sobre o relvado. Algumas vezes, quando observo o seu "esquecimento",  alerto para o facto, recebendo, invariavelmente, a resposta de  "já apanho". Claro que nunca voltam atrás para apanhar. Outros, para evitarem ser confrontados com o débil grau de civilidade exibido, optam por soltar os animais no relvado mantendo-se eles a coberto de olhares e repreensões dos residentes,  pretendendo deixar  transparecer que os seu cães são afinal vadios ou que não lhes pertencem...

Havendo humanos que se lembram de que não basta exibir notas de civilização ou de um certo pedantismo "chique" e que são responsáveis por tudo o que implica possuir um animal doméstico, outros, porventura a maioria, só mereceriam que lhes esfregassem na cara o que os seus cães deixam na relva atrás da minha casa... Merecendo igual tratamento quando também os abandonam para poderem ir a banhos no verão.




Maio 2019

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Açúcar, um Veneno que nos Corre nas Veias


"Gente toda da cor da mesma noite, trabalhando vivamente e gemendo tudo ao mesmo tempo sem momento de tréguas, nem de descanso: quem vir enfim toda a máquina e aparato confuso e estrondoso daquela Babilónia não poderá duvidar, ainda que tenha visto Etnas e Vesúvios, que é uma semelhança do inferno."
Estas palavras do Padre António Vieira, no sermão do Rosário, em 1633, citadas por Stuart Schwartz na História da Expansão Portuguesa, edição Círculo de Leitores, julgo traduzirem bem a imagem da realidade da indústria do açúcar aos olhos de quem não estava habituado ainda, no século XVI, aos ritmos de trabalho pontuado pela exploração intensiva e industrial, mesmo tendo em linha de conta que a indústria açucareira só começou realmente a florescer e incrementar-se a partir de meados desse século. Mas não era apenas a realidade do processo industrial propriamente dito, ou da actividade de "platation", que causava espanto e admiração no espírito do Jesuíta. A realidade que ele observava com os seus olhos e aferia com as suas palavras era mais ampla e continha, parece-me, um sentimento de alguma repulsa, de cariz porventura religioso, por aquilo que observava e que era certamente o que mais saltava à vista: o trabalho forçado de um exército de mão de obra negra e escrava que tinha sido a solução encontrada para a substituição dos ameríndios menos adaptados e menos capazes, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista cultural, aos trabalhos de índole agrícola. Isto, claro, para além da escassez de mão de obra ameríndia que se foi acentuando em razão de vários factores, nomeadamente, e talvez dos mais importantes, o das doenças viajadas da europa e que foram dizimando os indígenas aos milhares no Brasil.
À realidade, que Vieira conheceria, juntava-se ainda o facto da complacência demonstrada em relação à rentabilidade laboral exigida pelos senhores ser muito menor para com os negros do que para com os ameríndios. A.R.Disney, dá conta disso na sua "História de Portugal e do Império Português", da "Guerra e Paz, Editores, numa pequena amostra do tratamento reservado aos escravos negros logo que chegavam a território brasileiro, mesmo que isso pudesse variar de senhor para senhor: “em algumas plantações brasileiras os novos escravos eram imediatamente chicoteados após a chegada, para enfatizar o seu estatuto servil”.
Pese embora saibamos que nem sempre os Jesuítas foram coerentes no discurso relativo à escravatura, não podemos deixar de notar, apesar de tudo, a visão de Vieira, a exibir ódio e repulsa face ao que via. Mas lembraremos igualmente a exclamação, por demais conhecida, do mesmo Padre António Vieira, quando fazia a defesa da expulsão dos holandeses da região Pernambucana: "Sem Angola não há negros e sem negros não há Pernambuco". Ou seja, o contexto da escravatura não deixava ninguém sem mácula.
Parece implícito que o jesuíta conhecia bem a realidade em que se movia o tráfico e reconhecia que ele era importante no recrutamento de mão de obra para a indústria do açúcar, logo para a Europa e, especialmente, para o bolso das coroas europeias sempre carecidas de novas receitas.


Jacinto Lourenço - Janeiro 2019



quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Pudores Parvos do Género Humano





Ainda levei o nariz aos sovacos para ver se cheirava a algo que não fosse normal em mim, ou pudesse incomodar os outros. Mas não, o odor era apenas a desodorizante mesclado com o da água de colónia que tinha posto após o banho matinal. Ou seja: eu até cheirava bem. Por isso não percebi as reticências das pessoas que chegavam, de tabuleiro na mão, cabeça no ar à procura de um lugar para se sentarem a almoçar. A minha mesa tinha quatro lugares e eu só estava a ocupar um deles. Tive o cuidado de me sentar junto à parede para que quem chegasse depois de mim não tivesse que me pedir licença para passar para os lugares ainda livres.

Estava num daqueles restaurantes de Centro Comercial que, por acaso, até tinha meia dúzia de mesas só para os seus próprios clientes, embora todos os lugares, para além daqueles três que restavam na minha mesa estivessem ocupados. De realçar que até à zona comunitária do espaço de restauração ainda distavam uns 50 ou 60 metros desde o dito restaurante.

Mas não, ninguém se sentava perto de mim. Esta atitude é típica dos portugueses. Não gostarem de se sentar junto de pessoas desconhecidas à mesa de um restaurante. Mas ali, caramba, até estávamos num espaço comercial alargado onde quase toda a gente faz compras sem conhecer ninguém em particular E onde toda as pessoas se misturam e acotovelam.

Que raio de pudor será este que leva as pessoas a preferirem andar umas boas dezenas de metros à procura de mesa com assento em vez de usarem um lugar a uma mesa que tem quatro e só um está ocupado ?

Só posso responder por mim, e garanto que não cheirava mal, não estava mal vestido ou demasiado bem vestido. Sou um português normal, um pouco mais alto do que a média, é certo, olhos castanhos esverdeados, nem gordo nem magro.

Acabei de almoçar, fui ao WC lavar as mãos e, de relance, meio desconfiado de mim próprio, olhei para o espelho. Não, não foi por mim que as pessoas deixaram de se sentar. Foi por causa de um pudor parvo que não consigo explicar. Se fosse eu, garanto que me sentava.
Provavelmente, as mesmas pessoas que não ocuparam um dos lugares na mesa onde eu almoçava, são capazes de empurrar tudo e todos, esbracejar e barafustar com meio mundo na disputa do único lugar disponível na carruagem do metro que apanham todos os dias, de casa para o trabalho e do trabalho para casa, amalgamados por muitas outras pessoas que não conhecem ou sequer viram. Quanto a odores, nestas circunstâncias, nem vale a pena falar. Enfim, vá lá perceber-se o género humano !?!



Jacinto Lourenço       


   Janeiro 2019

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Escravatura, o Grande Leviatã que se Abateu sobre a Humanidade






A temática da escravatura é das que mais tenho lido e estudado em História ao longo da minha vida. Sempre procurei compreender o que pode estar oculto no coração e na cabeça de quem a tal prática se dedicou, ou continua ainda a dedicar-se, e das motivações sociais que permitiram o aparecimento e manutenção da monstruosidade do que considero ser  o maior crime contra a humanidade desde o início da criação do mundo.                                     

Quando chegou à altura de elaborar e submeter o meu projecto de dissertação de mestrado em História do Império Português, a minha escolha pareceu-me  óbvia e centrou-se  à volta da demografia da escravatura.                                                                                                                

 A escravatura é um facto histórico bastante bem documentado sendo relativamente fácil, a qualquer historiador, ou mesmo para alguém dotado do mais básico senso comum, chegar a uma conclusão: a realidade sobre esta, ao longo dos séculos, supera quase sempre o que alguma vez pudéssemos ter imaginado que poderia acontecer,  tal a dimensão de tão grande  tragédia e drama da humanidade. A escravatura é uma camada lodosa, grossa,  escura, fétida e profunda que se depositou nos interstícios da alma humana e por lá teima em persistir ficar.


A RTP 1 está a passar um conjunto de quatro documentários, intitulados genericamente “As Rotas da Escravatura”, que, mesmo tratando o assunto pela sua rama, tem o mérito de trazer ao grande público, em pinceladas largas,  mas de cores fortes, o que este deve saber, no mínimo, sobre o que foi, o que é,  e o que continuará a ser a escravatura. Não sei se alguma vez este cancro virá a ser erradicado no mundo tal qual o conhecemos e perspectivamos que as próximas gerações possam vir a conhecer. 


Desenganem-se aqueles que acham que a escravatura, ou o tráfico de pessoas destinadas a esse fim  atingiu apenas os seres humanos de raça negra. Muito longe disso.  Havia de  decorrer muito tempo até que o primeiro negro fosse escravizado, pois a escravatura e o tráfico foram, durante muitos séculos,  dirigidos primariamente a gente de pele branca. Ironicamente, se podemos dizer alguma coisa menos conhecida sobre a escravatura e o tráfico de seres humanos a ela destinado, é que tais práticas raramente foram dominadas por ideias racistas.  A razão  e  valor maior para traficar e escravizar um ser humano radicou, e radica ainda,  principalmente,  na questão económica.


Também não trarei, decerto, nenhuma novidade se adiantar que quase nenhum povo ou raça, de qualquer língua ou nação, pode dizer que não teve a sua quota parte de participação na tragédia hedionda da escravatura.                                                                                                                                           

Já agora será conveniente acrescentar que os portugueses, não estando, nem de longe nem de perto, isentos de grandes  responsabilidades no tráfico e na escravatura, só tardiamente aderiram a tais práticas, embora da forma, quanto a mim, mais odiosa  que se pode imaginar e que passava, nomeadamente, entre outros,  pelo método de razia nas costas africanas para apresamento e tráfico continuado de homens mulheres e crianças.  Quando o Papa Nicolau V outorga a D. Afonso V, através da  Bula Dum Diversas, em Junho de 1452, o direito de submeter e subjugar as terras dos  infiéis, abriu, para os portugueses, uma caixa de Pandora de onde  saiu a validação das miseráveis práticas da captura e redução à  escravidão de todos os africanos a que conseguissem  deitar mão, mesmo que,  acrescente-se,  tal Bula só tenha vindo a  “legitimar” algo a que os portugueses se dedicavam já desde meados do século XV.


Jacinto Lourenço   -    Janeiro   2019

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Hoje Estamos em Quarto Crescente...





O que se pode  aprender com a mudança de um dígito no calendário no início de um novo ano civil ? Desde logo o que resulta da enorme festa que se faz ao redor do mundo devido à simples e rotineira mudança de  um também simples dígito na forma como escrevemos a data em que nos situamos. Mas será que  o nível de paroxismo que a esmagadora maioria das pessoas revela justifica tal ? 

    Uma das últimas vezes que fui ao hipermercado para fazer compras de última hora, e esqueci a data em que me encontrava, aprendi a duras penas que não podemos esquecer, nunca, olhar de relance para o calendário antes de sair de casa, porque depois de apontarmos a frente do carro ao estacionamento interior da loja, não há volta a dar nem mais  nada que possamos fazer para emendar o terrível erro de termos tido a péssima ideia de sair de casa. Claro, alimentamos sempre  a vaga esperança de que uma multidão furiosa possa, ainda assim, ter um comportamento minimamente racional.  Mas cerca de duas horas depois, muitas buzinadelas, manobras agressivas e discussões histéricas escutadas através do vidro fechado do automóvel,  só para sair do parque de estacionamento do  hipermercado ensinam-nos esse princípio de vida: o calendário não muda o ser humano e, como resultado desse axioma, aprendemos também a nunca mais nos  metermos  no meio de uma multidão especialmente quando esta reage como se o ontem  não existisse e o amanhã fosse uma uma onda gigante de qualquer coisa que não sabemos o que é mas que queremos que nos atinja e nos leve ao zénite da felicidade e, já agora, nos mantenha lá enquanto os dígitos do calendário vão mudando rotineira e compassadamente.  

     Dá-se e troca-se tudo, até o siso,  por uma mudança de um dígito de calendário. 

     Estudámos e aprendemos que o ser humano é altamente predizível, ou seja, que  se pode predizer ou prever a forma como  responde quando sujeito a estímulos padronizados. Bom, isto é capaz de ser contraditado pela mudança de um simples  dígito de calendário no final de um ano civil e princípio de outro. O mesmo ser humano que se mete alegremente  no meio de uma multidão para fazer compras dos últimos luxos possíveis que, qual tapete mágico, o irão transportar à felicidade indizível, está disposto a atropelar tudo e todos para ser o primeiro a sair de um parque de estacionamento, mesmo que pela frente tenha centenas de carros e condutores insanos e ímpobros  pouco ou nada dispostos a ceder  um milímetro de espaço no lugar que ocupam na linha de saída.

     Em boa verdade, o calendário é mentiroso;  mudando não muda nada. Mudar está em nós, não no calendário. E mesmo aqueles dígitos que se sucedem diariamente e que uns dias nos fazem felizes e outros dias nem por isso, não passam de uma forma que arranjámos para armazenar memórias de acontecimentos e factos reais  que vão moldando a nossa vida. Se pudesse, acabava com o calendário ! Preferiria, apesar de tudo, contar as luas, porque essas sim, mudam muita coisa, mesmo aquelas que não damos conta que mudam.

     Como está dito no evangelho de Mateus: "Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal".

     É por tudo isto que acho que a festa que os mundos fazem por causa da mudança de um dígito, é a festa mais irracional do mundo. Depois disso, só o Carnaval. Ora eu, considero-me, sobretudo uma pessoa racional.

     Porque é que escrevo acerca disto ?  Provavelmente porque me deu a lua, ou porque apanhei lua. Vá lá saber-se !



Jacinto Lourenço     Janeiro, 2019