segunda-feira, 30 de março de 2020

Por entre os Miasmas da morte









Para onde quer que nos voltemos, vimos, ouvimos, lemos, na maior parte das vezes, muitas vezes, sobre o tema genérico que domina os meios de comunicação. Já sabemos há muito que o que o que mais contribui para haver notícias não são as boas notícias, mas as más notícias. Afundamo-nos nas letras garrafais dos jornais ou nas imagens tristes e lúgubres que os telejornais nos fazem chegar a toda a hora e já não apenas à hora a que estávamos habituados. Ficamos quase paralisados com o olhar fixo nos números da morte e nos desplantes dos vampiros ocasionais que só conseguem olhar as suas populações através de uma folha de cálculo.
De repente, por entre o desfiar da vida nos écrans, nos periódicos, o tema dominante fala da morte e da exaustão dos vivos que a enfrentam.
É nestes momentos que talvez fosse bom lembrar que um cristão é alguém cuja visão deve ser mais alta. Ser cristão significa estar pronto para encarar as situações com os olhos postos em Deus e nas certezas que Ele tem para nós. É ser capaz romper o pessimismo, mesmo quando isso pode até ser controverso, face ao ambiente geral que vivemos. Afinal, foi Jesus que disse que devíamos ser Luz no meio das trevas.
No período de Páscoa que se avizinha a esperança tem que renascer dentro de cada um de nós, dentro das nossas casas. Na Páscoa, como sabemos, a morte é vencida pela vida. Jesus pagou todos os resgates presentes e futuros. É por isso que um sorriso, uma palavra de esperança, de alento, um gesto, mesmo à distância de dois metros, por pequeno que seja, e mais do que beijos ou abraços, podem romper as correntes de tristezas agónicas que nos cercam e fazer do dia um dia melhor para alguém que luta ou que está em perda. É isso que Jesus espera de nós, que no meio das crises saibamos reagir, saibamos pôr ao serviço dos homens aquilo que aprendemos de Jesus ressuscitado.
Mostrar capacidade de reacção positiva para com os outros no meio do sofrimento geral, mesmo se também nós estivermos a ser atingidos, não é apenas estoicismo humano, é igualmente demonstração de plena fé nas capacidades eternas de Deus e na sua direcção divina para os homens e mulheres que mostrarem ser capazes de irem além de si próprios, sabendo que, mesmo em solidão, nunca estarão sozinhos nesse desígnio.
Aquilo que Deus espera de nós, neste momento, é que a sociedade possa ver-nos como alguém que não perde a sua tranquilidade, a sua fé, o seu discernimento espiritual e humano, a sua capacidade de revelar compaixão e apoio e de manter uma atitude elevada sobre todos os contextos. É nestas ocasiões difíceis que se mostra a grandeza de espírito e a presença da fé que nos alimenta.
Aprendemos que nos ciclos negativos da vida a fé se prova de uma maneira muito mais extraordinária. A tormenta torna-se quase insuportável, mas Jesus está connosco, conhece-nos, ama-nos, tem bem medidos os nossos limites e, quando estivermos a cair Ele levanta-nos. Saibamos, como filhos de Deus, nestes momentos de tempestade, obter de Jesus a paz que está a faltar a tantas vidas e distribui-la a todos os que dela carecem. Que cada filho de Deus seja um referencial de esperança, de calma no meio da agitação premente, de temperança e estabilidade emocional, e que mostre isso no pequeno círculo em que se integra. Parece simples dito assim, não é ? Mas não vai ser nada fácil. Teremos que fazer uso daquele estoicismo que recebemos da nossa natureza espiritual. O apóstolo Paulo dizia que quando estava fraco então era forte. Porque se recolhia em Cristo, e então já não era mais ele, Paulo, mas Cristo nele.
É possível que fiquemos sem alguns anéis, mas o importante é mantermos os dedos. O importante é a vida humana e aquilo que podemos construir com ela. É para isso que Deus olha. Para os que tombam, como vítimas dos miasmas da crise pandémica, o nosso desejo é que possam ter encontrado, em algum momento, a Paz que Deus oferece a cada um de nós.
É tempo de pôr azeite na candeia para ser Luz num mundo em aflição e sem nenhuma certeza no amanhã. E isto não é teoria, é prática; não se opera apenas ao domingo na igreja, é na vida diária em sociedade, onde partilhamos a existência com todos, onde vivemos, trabalhamos, rimos, choramos com todos, mesmo se não partilham connosco da Fé em Cristo Jesus.


Jacinto Lourenço 2020, Março, 30