segunda-feira, 4 de julho de 2022

A Tal de Annita...



Que me desculpem os indefectíveis fans de Festivais 'rockeiros' de verão (não é o meu caso), pelo que vou dizer a seguir, mas só ontem ouvi, um pouco e pela primeira vez, nuns breves minutos da sua actuação no Rock in Rio Lisboa passados num canal televisivo, aquela que é uma das atracções juvenis do momento, a brasileira Annita.
Na verdade, tirando o habitual espalhafato de palco, o ruído ensurdecedor das colunas e, como que querendo passar por coreografia, a exibição pouco púdica de pele por parte de voluptuosas dançarinas, a tal de Annita não apresenta rigorosamente mais nada, talvez porque não tem voz nem canções para tal. Para além de tudo isso, abunda, fora do palco, a venda e distribuição de álcool entre o público (e vá lá saber-se mais o quê), mas claro que disso a tal de Annita não tem culpa nenhuma.
Gritar umas asneirolas para o público ululante colhendo em retorno uns coros de gritaria de assentimento terá porventura a ver com tudo menos com música e, apesar de não ser um especial melómano, sei e ouço o que é boa música. A tal de Annita não passa para fora do palco alguma coisa que se pareça com isso, nem transmite a mais ténue sensação.
Daí até à conclusão de que os tais festivais 'rockeiros' de verão (com raríssimas e gratificantes excepções) nada mais representam do que simples e preocupante alienação de massas, vai apenas um pequeno passo. As características psicológicas e sociológicas estão lá todas. A tal de Annita é apenas uma das muitas peças da engrenagem desta máquina de alienação que nada mais é do que uma corruptela musical.


Jacinto Lourenço, Julho, 22

sexta-feira, 1 de julho de 2022

O Saco de Gatos



"Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar."

Hoje, veio-me à cabeça esta frase que teria feito parte de uma carta enviada para Roma pelo então Pretor da Hispânia Ulterior, Servius Sulpicius Galba, onde se queixava dos Lusitanos e das dificuldades para os submeter e acomodar ao projecto civilizacional do Império e à Pax Romana.
Pelos vistos, em Portugal (normalmente identificado com a Lusitânia) pouco ou nada mudou em milénios. Costa e o seu governo são o melhor exemplo possível, como já foram outros anteriormente. É o que dá juntar muitos gatos no mesmo saco...
Entretanto, e só para lembrar de novo, já passaram 48 anos sobre Abril de '74 e 36 anos sobre muitos milhares de milhões de Fundos Europeus despejados em Portugal desde a adesão europeia. Apesar disso, continuam a não se conseguir vislumbrar soluções que dêem um rumo europeu ao país. Continuamos na mesma "cauda" que ocupámos à entrada na UE (CEE) em 1986.



Jacinto Lourenço, Julho, 2022

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Em Busca da Felicidade




   A Bíblia diz, no capítulo dois do livro de Eclesiastes, que "a sabedoria é mais excelente que a estultícia, quanto a luz é mais excelente que as trevas", diz também, no mesmo capítulo dois, que "ao homem que é bom diante dEle dá Deus sabedoria, conhecimento e alegria".

   Mas afinal que homem é bom perante Deus para que possa alcançar a sabedoria e o conhecimento diante dEle?  Entende-se como "bom", na leitura de Eclesiastes, não apenas aquele que alcança muito conhecimento, muito sucesso profissional, muita capacidade humana neste ou naquele sector da vida apenas porque estudou muito. Aliás, homens sábios e bons existiram, e existem em todas as culturas e geografias, em todos os tempos, e sem que para isso tenha sido necessário atingirem qualquer patamar de sucesso social ou económico.

   Um homem, ou uma mulher, "bons" e "sábios", são aqueles que se conhecem a si próprios, à sua natureza humana e espiritual, aos seus anseios e limites e têm, dos seus semelhantes, do mundo dos homens e das coisas, um conhecimento equivalente e proporcional ao que têm de si próprios sem que tenha sido necessário, porventura, aprender tudo isso numa qualquer universidade.

   Eclesiastes diz também que a alegria do homem está relacionada com a sabedoria e o conhecimento. Pode inferir-se que, para sermos felizes, temos que nos percepcionar em todas as dimensões. Ora, ao homem moderno, parece-nos, tem faltado olhar e perceber a sua dimensão e filiação divina; sem isso, por muito "bom" que se seja, nunca se estará completo, nem nunca se poderá percepcionar, por inteiro, o mundo dos homens e da realidade em que se inscrevem.

   Sem o espírito divino em nós nunca estaremos reconciliados com a autenticidade do projecto maior que nos envolve, nem estaremos irmanados neste destino comum que nos juntou aqui, à face da terra, homens de todas as cores, raças e culturas, todos diferentes e todos semelhantes.

   Sabedoria e felicidade serão então, de acordo com a Palavra de Deus, um dom ao alcance apenas dos que se compreendem, a si próprios, nesta globalidade, nesta dimensão física e espiritual. Só isso nos pode trazer a felicidade, porque só isso nos voltará a integrar dentro dos planos de Deus.


Jacinto Lourenço, Junho, 2022

quinta-feira, 9 de junho de 2022

PORTUGAL É UM ENORME ALQUEVA PARADO NO TEMPO E UMA SOCIEDADE BLOQUEADA





1926-1974 = 48 ANOS
1974-2022 = 48 ANOS

A conta é simples de fazer. Já completámos tanto tempo em regime dito democrático quanto o que passámos em ditadura: 48 anos!
Mas onde chegámos ao fim de 48 anos ?
Em ditadura não tínhamos Serviço Nacional de Saúde. Poucos anos depois de 25 de Abril de '74, passámos a ter um SNS que aos olhos de cá de dentro e de lá de fora parecia um dos melhores da Europa. Era o que nos diziam. O que lhe aconteceu à data que vivemos ? Praticamente destruído no seu funcionamento.
Antes de 25 de Abril de 1974 a Educação e a Escola destinavam-se só a alguns. O resto da população ou era analfabeta ou poucos tinham acesso a ir mais além do que a instrução primária. Depois de Abril de 1974 a Escola generalizou-se, o analfabetismo reduziu-se a valores pouco relevantes e a Educação tornou-se, ouvimos e lemos da boca de muitos responsáveis, uma paixão. Após Abril de 1974 chegámos a um ponto em que o analfabetismo funcional grassa em largas camadas da população, isto é: as pessoas que conseguem ler e escrever não são capazes de interpretar correctamente o que leram e menos ainda escrever composições mais elaboradas ou fazer cálculos aritméticos um pouco mais complexos. A escola tornou-se um terreno de devassa juvenil e um lugar mal frequentado onde impera a indisciplina de alunos e quantas vezes de agressões destes e dos seus pais aos professores que, por sua vez, estão cansados, alguns deprimidos e sem conseguirem obter satisfação ou retirar compensação do seu trabalho, como aliás acontece com a quase totalidade dos trabalhadores por conta de outrem. Uma larga percentagem trabalham décadas sem um vínculo laboral estável e sempre com uma "Espada de Damocles" sobre a cabeça, expectantes da sua colocação e dos resultados do concurso anual que, em muitos casos, lhes pretende atribuir horários tão escassos em número de horas semanais que, a serem aceites, os condenariam a uma quase indigência social a muitos quilómetros de casa. Os governos acham normal que muitos professores se encontrem a leccionar a centenas de quilómetros da sua casa e das suas famílias mesmo sendo pessoas como todas as outras que têm vida própria; marido, esposa, filhos para educar, famílias e lares para cuidar. Ou seja, são muitos anos seguidos a correr o risco de ver a família a desestruturar-se.

A propalada 'paixão pela educação' chegou a um beco sem saída e transformou-se num pesadelo, ou numa coisa qualquer que não se consegue mover por desarticulada que é.
O insucesso escolar, que todos querem esconder de todos, porque ninguém o enfrenta seriamente, corrói o futuro e não há PISA que lhe valha mesmo que nos queiram fazer crer que sim.
Claro que quem tem meios para tal foge a este insucesso matriculando os seus filhos em colégios privados e uma ou outra universidade de maior qualidade, se possível no estrangeiro, para ter a certeza de que estes sairão com uma boa formação ou aptos a conseguirem os melhores empregos ou, pelo menos, com melhores perspectivas profissionais.

O que mudou então de antes de Abril de 1974 para cá na Educação ? Se descontarmos a escolarização básica e o analfabetismo, nada ! Os pobres e os seus filhos, a classe média baixa, ou até uma grande parte da média, continuam a não conseguir usar o tal elevador social que se diz funcionar com a educação ou, se ele existe, só funciona para os mais favorecidos de vida; para os outros ainda que se carregue no botão ele não se move para cima, só para baixo. O país continua a marcar passo no seu desenvolvimento porque a sua população tem baixas qualificações académicas ou técnicas em todos ramos do saber. E não vale a pena virem com a questão da tal "geração de portugueses mais preparada de sempre" porque isso não passa de um sofisma. Os bons, os melhores, os portugueses realmente mais bem preparados de sempre foram empurrados ou levados a irem procurar a sua vida no estrangeiro. Por cá ficaram os resignados, ou os que já deixaram passar o momento de fugir a esta triste sina de ser português em Portugal, ou ainda os que não podem simplesmente sair por qualquer outra razão.
Com o 25 de Abril de 1974, a vida das classes média e média baixa, a geração dos nossos pais, passou a viver muito melhor que a dos nossos avós e, nós, durante uma ou duas décadas, vivemos muito melhor que os nossos pais. Estudámos mais, tivémos melhores empregos, comprámos casas, carros e outros bens que para as gerações anteriores eram inacessíveis. Mas o que sabemos é que os nossos jovens, filhos e netos, não vão ter uma vida melhor que a nossa. E se a tiverem é porque a ajuda dos pais se tornou essencial para isso. Ou seja, os jovens têm o seu caminho e futuro bloqueados em Portugal e já nem um curso superior lhes consegue resolver grandes problemas porque muitas licenciaturas só os habilitam a puderem, eventualmente, ser caixas de supermercado ou coisa parecida.

Os pobres ou gente que vive abaixo do limiar da pobreza cifram-se em milhões de pessoas e famílias, e já não falo daqueles que sobrevivem em empregos que só lhes pagam o ordenado mínimo em troca da exigência de esforço máximo. Já era assim antes de Abril de 1974 com a diferença de que não havia ordenado mínimo. À imensa pobreza do país, que nos envergonha, só algumas instituições caritativas conseguem levar algum consolo e ajuda para que as pessoas que estão nesta condição possam passar um pouco menos mal; mas isso é uma panaceia, não uma solução que só se conseguirá pela via da transformação estrutural do país. Não, não foi para ter isto que se fez o 25 de Abril de '74 !
A justiça transformou-se numa anedota de mau gosto e que, mesmo assim, não está ao alcance de todos, só dos que a podem pagar nem que seja para a postergar...
O turismo, imagine-se, o turismo, a par dos subsídios da UE, é a principal actividade e fonte de rendimento do país. Infelizmente está dependente de factores aleatórios que nem sempre se conjugam a seu favor e, como se isso não bastasse, ao fim de 48 anos Portugal apresenta alguns dos piores aeroportos do mundo nas classificações internacionais, ocupando mesmo o pódio da vergonha . Então mas alguém acha que um turista que chega a Lisboa, Porto ou Faro, e tem que suportar, durante várias horas, uma fila com centenas ou milhares de pessoas para que o seu passaporte seja controlado, vai ter vontade de cá voltar ou, no regresso ao seu país de origem, vai dizer maravilhas de Portugal ? Só se se estiver possuído por sentimentos masoquistas o fará.
As pescas acabaram ou resumem-se a uns poucos barcos que têm actividade em águas costeiras e que se dedicam ao carapau, cavala, sardinha, e umas quantas espécies piscícolas mais nobres a que poucos poderão chegar face ao seu preço nas bancas dos mercados.
A indústria é quase inexistente, se descontarmos meia dúzia de grandes empresas. A agricultura idem, depois de múltiplas experiências falhadas. Eternamente dependente de subsídios estatais, sem escala que a possa rentabilizar economicamente, a agricultura claudicou em favor da pecuária. Gado bovino, caprino ou ovino enche os campos cercados, os mesmos que antes de Abril de 74 estavam genericamente cultivados. O gado, pelo menos, garante alguma solvabilidade e tem comprador certo que vem do outro lado da fronteira. E não, não estou a defender o regime anterior, só estou a dizer que se destruiu uma coisa que, com todos os seus defeitos e problemas pareceu funcionar até ao fiasco e implosão da dita reforma agrária e suas sequelas. Tudo foi erodido sem apelo nem agravo.


Pelos vistos depois de Abril de 1974 nem copiar ou manter o que funcionava razoavelmente se conseguiu fazer. A agricultura é por isso um enorme cadáver económico em Portugal.
Há uns anos, em 1994, e muito antes de a barragem de Alqueva, que já vinha sendo projectada desde 1955 e começada a ser construída uns quantos anos mais tarde para ser de novo parada durante décadas, alguém escreveu no paredão semi-construído a frase "Construam-me, porra !". Claro que era só um desabafo de uns quantos, na altura jovens, alentejanos locais enfadados com o tempo que decorrera desde que se iniciara a obra e a pararam a meio, mas que no fundo dizia muito da inacção portuguesa. Contudo a frase lá ficou a servir de espelho para nossa vergonha colectiva. A barragem só viria a começar a ser cheia em 2002 e inaugurado o seu aproveitamento hidroeléctrico em 2004. Pensava-se que iria transformar, pelo menos, o Baixo Alentejo, numa zona irrigada e fértil. Mas não; o que vemos hoje são monoculturas intensivas de rentabilidade muito rápida e mais do que duvidoso interesse estratégico para os interesses locais ou nacionais. Maioritariamente posse de capitais espanhóis, destina-se o seu produto a exportação. Economicamente não me parece resultar daí grande benefício para o país; ficarão por cá alguns impostos e, na melhor das hipóteses, a criação de uns quantos postos de trabalho sazonais. Quando os espanhóis se cansarem de Alqueva, os terrenos que foram irrigados pela água da albufeira precisarão de muitos anos para poderem ser descontaminados dos resíduos de fertilizantes, herbicidas, fungicidas e de toda a sorte de químicos que lá ficarem depositados e que poderão levar à esterilidade da terra por muito tempo. À sua volta, à volta do Guadiana, ou onde a água de Alqueva não chega por falta de capacidade económica da agricultura nacional, continuam a pastar, em cercados, pachorrentos bois, cabras e ovelhas, até que do outro lado da fronteira cheguem os camiões que os vêm carregar para os entregar em matadouros de Espanha.
Pelo meio de todas estas desgraças e misérias portuguesas, podíamos ainda falar dos fundos europeus a que muitos, e especialmente os mais próximos do poder, chegaram, roubaram ou malbarataram sem vergonha nem pudor e com cobertura vá lá saber-se de quem... E agora está aí o PRR de que nunca mais se ouviu falar depois da campanha eleitoral em que se enchia a boca com tão grande oportunidade, diziam mesmo, a última para mudar o país...
Podíamos ainda falar dos bancos, mas isso, toda a gente sabe que são um sorvedouro de dinheiro dos contribuintes e funcionam como sacos azuis para pagar milhões aos cleptocratas que abundam nas suas direcções ou presidências. Dos transportes públicos que deviam e podiam prestar um bom serviço mas que na maior parte dos dias do mês estão parados por greve dos seus trabalhadores a reclamarem ser melhor pagos; e não direi que lhes não assiste razão. O problema é que as suas greves sucessivas e constantes atingem sempre, e só, outros milhares de trabalhadores que precisam de ir às suas vidas laborais e depois regressar a casa, ir buscar os filhos à escola fazer o jantar dar-lhes comer e, no fim de toda esta lida, dormirem meia dúzia de horas, tantas quanto as greves lhes permitirem. Estes milhares de trabalhadores não podem sequer reclamar porque não têm qualquer capacidade reivindicativa, a mesma capacidade em que se estribam e protegem os sindicatos atrás da segurança do emprego público, ou nas empresas estatais, institucionais ou quiçá de outras grandes empresas estratégicas para o funcionamento do país. É só aí que os sindicatos se sentem à vontade para fazer chegar a vontade de certos partidos e manipular e atirar trabalhadores contra outros trabalhadores.
Será que ainda poderei falar de mais duas ou três coisas sem que esgote a vossa paciência? Pois bem, lá vão : temos uma das maiores cargas de fiscalidade da Europa; pagamos dos mais altos preços de muitos bens essenciais, como a energia e os combustíveis - e já era assim antes da guerra na Ucrânia- para além de muitos bens alimentares, electrodomésticos tão essenciais como essenciais são uma máquina de lavar roupa, louça, frigorífico, etc. Poderia falar também no preço dos automóveis e tantas, mas tantas outras coisas. Não acreditam ? Então aproveitem as férias e deem um salto a uma qualquer cidade fronteiriça espanhola, por exemplo, e comparem o que vão vendo. Chega a ser doloroso e revoltante observar o que pagamos a mais, ganhando muito menos, deste lado da fronteira.
Sim, foi aqui que chegámos depois de 48 anos e quase nos apetecia desabafar, como os tais jovens alentejanos, numa parede qualquer, a frase: "Portugal: contruam-me porra !" Já que até agora só conseguiram destruir !

Jacinto Lourenço, Junho 2022