sábado, 18 de dezembro de 2021

ERA UMA VEZ NO FAROESTE PORTUGUÊS...

 

Não tenho qualquer tipo de competência técnica para discernir sobre a questão da justiça em Portugal. Mas tenho aquilo a que se chama senso comum, seja lá isso o que for, que me segreda à consciência sobre o que parece estar certo e o que possa estar eventualmente errado.

Vem isto a propósito da enorme exposição pública que foi dada, pelos meios de comunicação portugueses, à prisão de Rendeiro na África do Sul e à de Manuel Pinho em Lisboa. Veio igualmente ao nosso conhecimento, com justificado alarido neste caso, a forma de como alguns elementos da GNR andaram a tratar os emigrantes na região de Odemira, sabendo-se que, afinal, isso era uma prática reiterada e que até existiam agentes já julgados anteriormente por esse mesmo motivo, e condenados, mas que continuaram ao serviço, o que foi porventura por eles entendido como um voto de confiança da justiça para puderem continuar com as mesmas práticas de ofensas à integridade física e moral de emigrantes. As forças de segurança, por uma questão axiomática, é suposto serem integradas por pessoas com qualidades cívica, moral, ética e idoneidade bastante para tal, e não por pessoas réprobas que já foram julgadas e condenados por crimes.
Confesso que não nutro qualquer empatia especial em relação às duas figuras citadas, Rendeiro e Pinho, assim como também me sobram muitas dúvidas sobre a forma que reveste o poder discricionário que é exibido por muitos agentes da autoridade na sua relação com os cidadãos, e como esse poder é supervisionado em cada esquadra da PSP ou posto da GNR. E as minhas dúvidas assentam também numa ou outra experiência pessoal, que me foi tocando pontualmente, como certamente a outros tantos normais cidadãos como eu, com abordagens pouco edificantes levadas a cabo por agentes, em especial da GNR.
Mas incomoda-me (e indigna-me) ver que a justiça portuguesa se deixa embalar actualmente mais por um atitude de justicialismo tablóide e exibicionista do que pelo exercício de uma justiça produzida no âmbito estrito dos tribunais sem preocupações populistas para satisfazer a vox populi. Quando isso acontece, quando se quer uma justiça para, em primeiro lugar, calar o povo, dá nas trapalhadas justicialistas que têm vindo a público. Em qualquer país minimamente civilizado a justiça não será isto que temos visto. E para usar um termo muito em voga por estes dias, quando há “foguetório” à volta dos actos da justiça, então sabemos que ela não está a cumprir com as pessoas pendentes de quaisquer resolução, nem consigo própria nem com os portugueses em geral.
Foi também penoso ver um alto responsável da Judiciária, armado em qual Marshal do antigo faroeste americano, vir a todas as televisões proclamar a prisão de Rendeiro, como se isso resultasse exclusivamente de si próprio. Talvez nunca lhe tivessem explicado que as suas funções devem revestir discrição, reserva, sensatez e contenção verbal na comunicação dos factos ao invés da exuberância pessoal demonstrada, completamente inusitada, pedante, e até a roçar o disparate.
Em resumo: sedimenta-se mais no nosso espírito a ideia de que a falta de qualidade da democracia portuguesa já atingiu e deteriorou bastante o cerne da própria democracia representada esta pelas instituições em que mais devia repousar a nossa confiança enquanto cidadãos.


Jacinto Lourenço
18 de Dezembro de 2021