segunda-feira, 10 de junho de 2024

E Depois das Canções que nos Despertaram da Letargia ?




Não sei com que Portugal se parece o Portugal que temos hoje. Mas há uma coisa que eu sei: é que este Portugal que temos hoje não é o Portugal com que a esmagadora maioria dos portugueses sonhavam quando, como eu, vieram para a rua saudar os militares que faziam o 25 de Abril.
Era jovem, estava, como usa dizer-se, na "flor da idade". Não sabia quem eram Mário Soares ou Álvaro Cunhal e, de política, só conhecia o que não sabia. Mas sabia que muita gente ouvia, na rádio de ondas curtas, programas que eram contra o regime instalado no poder até 24 de Abril de 74. O meu avô José Lourenço escutava essas rádios que, de países longínquos, clamavam pelas suas verdades, que eram contra o regime. Mas isso a mim não me interessava para nada porque o que eu queria era brincar e ser feliz.
À medida que cresci fui sabendo coisas novas como a de ter um tio-avô preso e torturado em Caxias. Qual o seu pecado? Ter fome e, dentro do conhecimento que teria, ser contra um regime político que o impedia de levar, pelo menos, uma vida minimamente digna no Alentejo onde era apenas mais um trabalhador rural sem perspectivas de poder alimentar convenientemente os seus filhos e sustentar a família. Mas isso, claro, era apenas um caso no meio de uma multidão de outros tantos casos iguais num país desigual. Portugal, se excluirmos os grande ou médios centros urbanos onde a miséria se conseguia esconder melhor, era um país medíocre que não tratava com o respeito merecido os seus naturais, especialmente aqueles que não tinham tido a sorte de nascer no seio de uma família rica ou até remediada.
O que significou para mim esse Abril de há meio século atrás ? O que sinto mais veementemente dentro do peito quanto a isso ? Desilusão, grande desilusão por este Portugal adiado que somos hoje. Se melhorou muita coisa ? Claro que sim. Mas muitas dessas conquistas de Abril de 1974 sabem-nos a pouco menos que derrotas neste Abril de 2024.
Quando assistia da janela de um segundo andar, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, o mar de bandeiras vermelhas era imenso. Não se via chão, só o vermelho das bandeiras a drapejar e as vozes uníssonas de quem as transportava pela avenida. Foi aí que senti, já depois de ter lido muitos livros, revistas e jornais sobre política, que Portugal balançava entre duas forças gigantes que o atraiam: uma ditadura comunista, comandada à distância por Moscovo, ou uma vida em liberdade e desenvolvimento à semelhança do que se lia, via e ouvia dos países desenvolvidos da Europa Ocidental onde milhares de emigrantes portugueses tinham conseguido, esforçadamente, contornar a vida triste que levavam em Portugal. A emigração, a partir de meados dos anos cinquenta, foi para muitos a única saída para uma existência diferente e mais desafogada, um futuro melhor.
Ainda bem que a onda vermelha de Moscovo não nos eclipsou e que a nossa identidade europeia vingou. Mas, chegados a 2024, mais de cinquenta anos depois de Abril, que país somos, que gente nos imaginamos, que povo nos sentimos e para onde vamos ?
Ouvimos, semana após semana, mês após mês, ano após ano, uma frase que, de tão batida, se gastou completamente: "queremos fazer parte do pelotão da frente" ! E passámos a nossa vida, neste meio século transcorrido, a ouvir esse lugar-comum. Entretanto outros, que vieram detrás, lá muito detrás, ultrapassaram Portugal a uma velocidade estonteante. O muito ou pouco que se conseguiu alcançar neste país que é o nosso, e que amamos, se exceptuarmos a Liberdade, está ameaçado ou a desmoronar-se. Educação, justiça, saúde, emprego, habitação e outros temas tão relevantes para a vida de uma nação que quer ter um futuro digno, têm vindo a esboroar-se lentamente sem que apareça alguém sério (sem ser apenas mais um homem providencial, que desses já tivemos que chegue) de entre aqueles que elegemos quando votamos para que nos governem e que cumpra, efectivamente, o Abril de 1974 porque ansiamos. É por isto que esperamos há cinquenta anos; e, cinquenta anos são quase uma vida !
Fui criança, adolescente, jovem, adulto e agora já avô de 4 netos, quase sempre dominado por este desiderato de viver num país europeu que o seja efectivamente, numa Europa que sempre foi um referencial para o mundo em quase todos os capítulos da civilização, especialmente a partir do Renascimento e nos períodos moderno e contemporâneo da História global.
Não, não estou a falar dos cravos que murcham. Falo sim de esperança, desta esperança que ainda me deixa expectante, mesmo que ameaçada por forças meio obscuras que se reerguem dos escombros de 24 de Abril de 1974 .