segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Eusébio, o meu cromo mais Difícil da caderneta


Mantive, da minha infância, adolescência e juventude referências fortes que me acompanham até hoje.  Ser benfiquista, desde que me conheço como gente, é uma delas.  Fiz-me benfiquista sem que ninguém me obrigasse a tal ou me sugerisse isso, sem que ninguém me tivesse levado aos estádios a ver jogar o Benfica. Jogos de futebol transmitidos na televisão, na minha infância, só os da Selecção Nacional ou os do Benfica quando levava de vencida os gigantes europeus dos idos de 60. De resto, aos domingos, o que havia eram os relatos na rádio que me deixavam suspenso da arte dos relatadores ou de como gritavam os golos do meu Benfica, sim, porque nessa altura não se perguntava se o Benfica ia ganhar ou não mas por quantos golos ia ganhar.

Sou do tempo dos cromos da bola comprados, enrolados em rebuçados  a dois por um tostão, na barbearia dos Lopes e colados na caderneta com uma pasta feita de farinha com água. Dessa fabulosa equipa do Benfica que ganhou duas taças dos Campeões Europeus, no início dos anos sessenta, haviam dois ou três cromos  muito difíceis  de sair ou trocar mas, de entre estes,  um era mais difícil que os outros, era o cromo do Eusébio.

Em criança cresci a sonhar com o Benfica e com o Eusébio. Nos jogos de bola,  no recreio da escola, todos queriam ser o Eusébio, mas eu não porque não tinha habilidade para ir além da baliza ou da defesa, por isso queria ser sempre o Costa Pereira, o Cruz ou o Germano. Podia ser outro qualquer pois o Benfica era enorme nos meus tempos de menino e os seus jogadores, todos eles,  deuses da bola no meu imaginário infantil . Eusébio era um caso à parte: era  o maior de todos no Olimpo da bola.

Partiu hoje, na sua última jornada triunfal, aquele, porventura único, que fez sorrir um povo triste e acabrunhado, antes de Abril de 1974. Eusébio era um país inteiro chamado Portugal quando entrava em campo, fosse para jogar pelo Benfica fosse pela Selecção Nacional.



Nenhum outro jogador de futebol me fez verter uma lágrima que fosse como Eusébio fez. E fez-me chorar várias vezes quando perdia e quando ganhava. Lembro-me bem de como chorei, com os meus 12 anos de idade, ao ver Eusébio chorar enquanto saía de campo depois da Selecção Nacional ter sido eliminada pela Inglaterra no Mundial de Futebol de 1966. Hoje, enquanto via as imagens do cortejo fúnebre de Eusébio, chorei de novo, de alegria e de tristeza. Alegria pelo que me deu ao longo da vida. Tristeza por ver partir um dos homens que mais fez sorrir Portugal na sua história recente. Eusébio podia ter sido outra coisa qualquer na vida, mas não, foi futebolista, e nada que ele pudesse ter sido em vida, estou certo, poderia ter  deixado uma marca tão profunda e tão transversal no espírito  dos portugueses.
Num misto de felicidade e tristeza, resta-me a memória perene de ter visto jogar Eusébio, ao vivo, no antigo estádio da Luz e de aí ter vibrado e sorrido com os seus golos mesmo quando a sua  sua carreira de futebolista já dava sinais de declínio. Obrigado Eusébio. 

Jacinto Lourenço