quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Em que Cremos quando Cremos em Deus ?





...Acreditei que Deus brinda – galardoa, abençoa - determinados filhos com milagres. Mantive por anos a certeza de que o Todo Poderoso interfere, indiscriminadamente, na história com alívio, prosperidade, cura, avanço profissional, proteção e longevidade. Jamais ousei indagar seus critérios. Hoje pergunto: Como conceber uma divindade justa se ela realiza suas maravilhas sem critério algum? Demorei a atinar: se Deus ama com gratuidade, milagres não podem vir para os mais capazes, mais eficazes e mais merecedores.
A guinada radical em meus conceitos se deu no dia em que assisti a uma reportagem sobre crianças aidéticas no Congo. O jornalista mostrou os corredores imundos de um pequeno hospital. As imagens gráficas e chocantes me desmoronaram. Diante do sofrimento, cara-a-cara com meninos e meninas agonizando sobre finos colchões de plástico, um monte de certezas ruiu. Com os olhos marejados de lágrimas eu me via encalacrado. Depois, a câmera foi até o necrotério refrigerado, já sem lugar para tantos corpos. A velha teologia que me dera um falso chão não resistiu. O choro das mães nos corredores explodiu o que até então parecia indubitável.
Pensei: Se existe um Deus  justo, que ama gratuitamente, não é possível que ele faça milagres em meu pequeno mundo ou no estado do Texas e dê as costas para tanto sofrimento no Congo.
A partir desse dia, procurei me desfazer dos clichês que eu usava para explicar os horrores da vida. Eu já não queria lidar com a aflição humana com o cinismo do religioso: Não importa a realidade, importa o que o texto sagrado diz. Não aceito que repitam que a raça humana se desgraçou em Adão e, por isso, padece as consequências funestas e intermináveis do seu pecado. Meninos e meninas condenadas ao inferno de Serra Leoa, Sudão, Congo, não pediram para nascer. Não há lógica no universo que justifique o que percam em vida.
Não posso celebrar minha condição privilegiada, ou a sorte de abençoado, enquanto multidões nascem, morrem e são enterradas sem sequer possuírem registro oficial de que existiram. Não consigo afirmar que os mais destituídos e pobres foram criados por Deus como vasos de desonra - como ensina o calvinismo. A doutrina da dupla predestinação que reformados defendem com ardor secular me é detestável. A dignidade humana não merece ser rebaixada a mero dente em uma engrenagem estratégica de Deus. Não aceito que o Criador possua uma vontade permissiva; e que, para trazer glória a si mesmo, ele faz vista grossa ao mal.
Essas certezas se pulverizaram em minha alma e por não ter calado, recebi rótulos odiosos: apóstata, herege, desviado. Minha metamorfose aconteceu, entretanto, porque eu busquei responder às inquietações da alma. Sei, ainda engatinho nessa jornada espiritual. Meu coração percebe, contudo, que Deus não é tão minúsculo quanto me ensinaram, e acreditei. Ao me despedir das divindades que povoaram uma fé pueril, não confesso: eu ainda creio. Digo apenas: eu volto a crer.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim in blogue de Ricardo Gondim