quinta-feira, 11 de novembro de 2021

PORTUGAL EM MODO FRAUDE...


(imagem: jornal Público)

Regresso ao tema que a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) trouxe ao nosso conhecimento recentemente, de que os enfermeiros portugueses são dos mais mal pagos entre os países que integram esta organização internacional (em paridade de poder de compra) e apenas acima de Eslováquia, Lituânia, Letónia e Hungria, e que os salários dos médicos regrediram para valores reais (descontada a inflação) anteriores aos praticados em 2010, talvez convenha acrescentar que esta situação terá, certamente, um âmbito muito mais alargado tocando outras profissões qualificadas ou não qualificadas.
A verdade social e económica percepcionada em Portugal é a de que, quase meio século depois de instaurada uma democracia, que devia ser para todos, resulta ter afinal sido construída para quem consegue situar-se nas franjas do poder e assim usufruir das benesses e privilégios que este distribui, com toda a prodigalidade, por aqueles que lhe são próximos. Ora, como é evidente, a ideia generosa que presidiu ao 25 de Abril de 1974 estava muito longe da realidade que se instalou no país desde então.
Se exceptuarmos a liberdade conquistada ( que não é coisa de somenos, se nos lembrarmos do regime em que vivemos anteriormente), e após muitos milhares de milhões de euros em fundos da UE injectados para o desenvolvimento português, (sem que se veja, na maior parte dessas verbas, onde e como foram aplicadas) nada de muito substancial do regime salazarista foi
anulado. O caciquismo partidário instalou-se com outras cores numa rede tentacular que não deixa escapar nada ou quase nada que não termine nos seus bolsos. O nepotismo generalizou-se. O empobrecimento da população é um aviltamento. A corrupção é transversal na nossa sociedade. Os portugueses continuam a ter que emigrar aos milhares e, ao fim de 48 anos continuamos na cauda da Europa em termos sócio-económicos, mas agora ultrapassados por nações que nunca imaginámos que alguma vez o pudessem fazer. As famílias passam o tempo a olhar para o calendário e a imaginar como farão chegar o rendimento disponível ao fim do mês.
As maiores e melhores empresas nacionais, as mais lucrativas, as que podiam ajudar a economia nacional de outra forma, foram entregues por "patacos" a quem lhes pode lançar mão, facilitados esses por autênticos "Cavalos de Tróia", instalados nos sucessivos governos em Portugal, mas sempre na primeira linha de defesa dos interesses estrangeiros, que para isso lhes pagariam através de todos os esquemas financeiros que se possam imaginar, culminando ainda, mais tarde, com uma boa colocação em empresas ou bancos de nomeada internacional.
A cultura é inexpressiva e acessível apenas nos principais centros populacionais, no resto do país é um semi-deserto.
Dos jovens que terminam a sua formação académica, poucos são os que conseguem romper o ciclo de precarização no emprego e, por consequência, poucos podem assumir uma vida familiar independente fora das casas dos pais. Por outro lado, os que não vão além do ensino secundário e não possuem qualquer qualificação profissional, ou passarão o resto da sua vida em empregos que não pagam mais do que o ordenado mínimo ou ficam a parasitar os pais enquanto estes o permitem, e permitem muitas vezes, levando uma vida sem estudar ou trabalhar e sem quaisquer objectivos futuros, mas com dinheiro nos bolsos para cigarros, álcool, ténis de marca ou telemóveis topo de gama.
Os nossos velhos são entregues para morrerem nos meandros dessa nova indústria designada metaforicamente por "lares", que na sua maior parte se assemelham a "campos de concentração" pavorosos. Para os seus filhos ou famílias não existem escolha, tempo ou até dinheiro que sugiram pensar noutra solução, que na maior parte dos casos não têm.
Quem têm um trabalho deve mantê-lo a todo o custo mesmo que mal pago e sem horário de trabalho a atender à lei. As entidades patronais não olham, nem são para isso vocacionadas, para os problemas que os seus trabalhadores têm com pais ou filhos.
A justiça tornou-se simplesmente risível.
Em resumo e para atalhar caminho: após tantos anos de liberdade quantos os passados sob a ditadura do Estado Novo o país é pouco menos que uma fraude imposta por este regime a que chamam democrático mas que transporta dentro de si um artefacto político explosivo que irá implodir um dia destes e que nos levará a todos se não tivermos arte ou engenho para mudar o rumo.
As únicas e verdadeiras grandes construções da democracia foram o Serviço Nacional de Saúde e a educação. Pois nem mesmo essas parecem estar isentas de serem reduzidas a escombros por uma classe política apenas focada nos seus próprios interesses e jogos de poder.

Jacinto Lourenço