
A História dos territórios e dos povos que na actualidade são identificados por Israel e Palestina é, como vimos, vasta e remonta a tempos perdidos por entre os liames com que se foi tecendo a geografia humana naquela região. Não pretendo aqui
revisitar essa História, mas convém talvez lembrar que a presença dos dois
povos naquela região remonta a tempos que são descritos pelos primeiros livros
da Bíblia. De Génesis ao livro de Zacarias, são inúmeras as referências à
ocupação dos territórios quer pelos filisteus, quer pelos hebreus.
Convém porém alertar os mais distraídos, em relação à História humana dos
tempos pré clássicos e clássicos que os territórios que os telejornais das
televisões nos fazem entrar todos os dias em casa, não pertenciam, como hoje identificamos, apenas a dois povos. Na realidade territorial de que tanto
falamos agora e, para nos situarmos
melhor, podemos ir à Bíblia, ou até, se quisermos, às «Antiguidades de Josefo» e
constatamos que a pulverização de pequenas “cidades-estado” (não sendo este o
melhor termo, servirá no entanto para percepcionar o que se pretende dizer)
proliferavam, sendo que, à semelhança da Europa, cada pequeno Estado ou Reino
não ocupava e dominava, muitas vezes, mais do que o território que ficava
dentro das suas muralhas.
Como referido no parágrafo anterior, podemos
pegar numa Bíblia (embora a Bíblia não se limite a ser um livro de História,
como bem sabemos) ou num qualquer livro de História antiga e ler acerca dos povos e pequenos reinos que persistiam na região e onde coexistem hoje palestinianos e israelitas. Os primeiros ocupando Gaza e uma parte da Cisjordânia, e Israel no território definido pelas fronteiras traçadas à data da sua moderna independência em 1948, embora seja também potência ocupante e administrativa de uma parte da Cisjordânia. Nos textos bíblicos encontraremos escrito que, de um modo geral, em Gaza (embora não correspondendo exactamente
aos actuais limites), por exemplo, existiam uma mão cheia de povos e reinos a
que genericamente a Bíblia se refere por filisteus por terem tomado tal
designação a partir da nomenclatura que foi atribuída pelos Romanos (o que é
comummente aceite), embora o étimo possa, eventualmente, revelar também influência grega porventura na sequência do domínio grego na região - que é aliás
anterior aos romanos.
Quem conhece um pouco da História da Europa, por exemplo, sabe que até
muito recentemente, cerca de um século e meio atrás, tanto a Itália como a
Alemanha, (para dar um exemplo que eventualmente possa se mais conhecido de todos) não
eram os países unificados que conhecemos na moderna geografia europeia mas sim territórios onde coabitavam pequenos
Estados ou cidades-Estado. Na região do mundo em que nos focamos, haviam também algumas semelhanças com essa realidade.
No plano da dimensão territorial de que falamos, a do Médio Oriente, se lançarmos o olhar numa perspectiva literária e histórica, que é facilmente escrutinada por todos, através da Bíblia, constatamos, de facto, que eram muitos os pequenos reinos que ocupavam grande parte do território, (embora entrecortados por alguns Impérios de génese local mais extensos e que foram surgindo ao longo da História, como por exemplo, e para citar apenas dois dos mais conhecidos, a Assíria e a Babilónia) sendo que, à semelhança da Europa, cada pequeno Estado não ocupava e dominava,
muitas vezes, mais do que a linha de um horizonte que o seu olhar alcançava e
que se estendia aos campos que pretendiam tomar como seus mesmo que sem qualquer
possibilidade prática de os conseguirem defender de ataques de exércitos
inimigos que, em sucessivas vagas e razias saqueavam, destruíam sementeiras,
matavam homens, mulheres e crianças para além de tomarem cativos para escravizar. Prática recorrente era também roubar rebanhos e arrasar e entulhar os poços de água, um bem que, como sabemos, é
vital em qualquer parte do mundo, em qualquer tempo, mas muito mais no Médio Oriente daquele tempo e mesmo ainda na actualidade.
Dos muitos povos e pequenos reinos que persistiam nos territórios a que se alude, um deles eram os Filisteus, que se concentravam numa faixa designada por “Philístia” ou Filisteia, como quisermos. A “Philístia” ou
Filisteia, refere-se à terra que cinco diferentes princípes filisteus habitavam,
e que é descrita em Josué no Cap.13:3, compreendendo o de Gaza, o de Asdode, o de
Asquelom, o de Gate e o de Ecrom. Familiarizámo-nos com alguns destes nomes que persistem em cidades israelitas actuais e que andam agora nas bocas do mundo.
Para complementar, e compreender um pouco melhor o
período milenar que abordamos, convém referir previamente que o termo
«fronteira», como o conhecemos na actualidade, não era algo que fosse reconhecido
por quem quer que fosse por esse tempo. As eventuais «fronteiras» eram mais do que
frágeis, eram absolutamente voláteis e à mercê de quem quisesse conquistar
território, povoado, na maior parte dos casos apenas por pastores e
rebanhos. Os métodos bárbaros para essa conquista não conheciam limites e quase todos se
enquadravam no termo que usamos hoje para definir uma guerra bárbara que ultrapasse
tudo o que diga respeito aos princípios mais básicos que devem reger a
humanidade, mesmo que seja em guerra. Mas é aqui que voltamos ao fio da História e de como
ele nos conduz até à designação de «Palestina» que, por muito que se pretenda e o reivindiquem aqueles que tomam partido contra Israel no momento actual, não
designa um país, uma entidade política ou uma nação que tenham correspondência com um território, balizado por
fronteiras definidas, como as denominamos no tempo presente. A designação «Palestina» aparece tardiamente, no plano da História antiga, já no tempo do
domínio romano e deriva da transliteração do termo «Philístia» ou, se
quisermos «Filisteia», como já vimos mais acima neste texto. Ou seja: um
território (referimo-nos para já, apenas a Gaza) habitado por vários povos debaixo
da designação de «filisteus», como o designa a Bíblia, por habitarem na
Filisteia, e que, curiosamente, consta na Bíblia como a ser incluído na Canaã
mais alargada que foi prometida por Deus a Abraão.
Jacinto Lourenço
Dezembro, 2023