quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Pudores Parvos do Género Humano





Ainda levei o nariz aos sovacos para ver se cheirava a algo que não fosse normal em mim, ou pudesse incomodar os outros. Mas não, o odor era apenas a desodorizante mesclado com o da água de colónia que tinha posto após o banho matinal. Ou seja: eu até cheirava bem. Por isso não percebi as reticências das pessoas que chegavam, de tabuleiro na mão, cabeça no ar à procura de um lugar para se sentarem a almoçar. A minha mesa tinha quatro lugares e eu só estava a ocupar um deles. Tive o cuidado de me sentar junto à parede para que quem chegasse depois de mim não tivesse que me pedir licença para passar para os lugares ainda livres.

Estava num daqueles restaurantes de Centro Comercial que, por acaso, até tinha meia dúzia de mesas só para os seus próprios clientes, embora todos os lugares, para além daqueles três que restavam na minha mesa estivessem ocupados. De realçar que até à zona comunitária do espaço de restauração ainda distavam uns 50 ou 60 metros desde o dito restaurante.

Mas não, ninguém se sentava perto de mim. Esta atitude é típica dos portugueses. Não gostarem de se sentar junto de pessoas desconhecidas à mesa de um restaurante. Mas ali, caramba, até estávamos num espaço comercial alargado onde quase toda a gente faz compras sem conhecer ninguém em particular E onde toda as pessoas se misturam e acotovelam.

Que raio de pudor será este que leva as pessoas a preferirem andar umas boas dezenas de metros à procura de mesa com assento em vez de usarem um lugar a uma mesa que tem quatro e só um está ocupado ?

Só posso responder por mim, e garanto que não cheirava mal, não estava mal vestido ou demasiado bem vestido. Sou um português normal, um pouco mais alto do que a média, é certo, olhos castanhos esverdeados, nem gordo nem magro.

Acabei de almoçar, fui ao WC lavar as mãos e, de relance, meio desconfiado de mim próprio, olhei para o espelho. Não, não foi por mim que as pessoas deixaram de se sentar. Foi por causa de um pudor parvo que não consigo explicar. Se fosse eu, garanto que me sentava.
Provavelmente, as mesmas pessoas que não ocuparam um dos lugares na mesa onde eu almoçava, são capazes de empurrar tudo e todos, esbracejar e barafustar com meio mundo na disputa do único lugar disponível na carruagem do metro que apanham todos os dias, de casa para o trabalho e do trabalho para casa, amalgamados por muitas outras pessoas que não conhecem ou sequer viram. Quanto a odores, nestas circunstâncias, nem vale a pena falar. Enfim, vá lá perceber-se o género humano !?!



Jacinto Lourenço       


   Janeiro 2019