quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Hoje Estamos em Quarto Crescente...





O que se pode  aprender com a mudança de um dígito no calendário no início de um novo ano civil ? Desde logo o que resulta da enorme festa que se faz ao redor do mundo devido à simples e rotineira mudança de  um também simples dígito na forma como escrevemos a data em que nos situamos. Mas será que  o nível de paroxismo que a esmagadora maioria das pessoas revela justifica tal ? 

    Uma das últimas vezes que fui ao hipermercado para fazer compras de última hora, e esqueci a data em que me encontrava, aprendi a duras penas que não podemos esquecer, nunca, olhar de relance para o calendário antes de sair de casa, porque depois de apontarmos a frente do carro ao estacionamento interior da loja, não há volta a dar nem mais  nada que possamos fazer para emendar o terrível erro de termos tido a péssima ideia de sair de casa. Claro, alimentamos sempre  a vaga esperança de que uma multidão furiosa possa, ainda assim, ter um comportamento minimamente racional.  Mas cerca de duas horas depois, muitas buzinadelas, manobras agressivas e discussões histéricas escutadas através do vidro fechado do automóvel,  só para sair do parque de estacionamento do  hipermercado ensinam-nos esse princípio de vida: o calendário não muda o ser humano e, como resultado desse axioma, aprendemos também a nunca mais nos  metermos  no meio de uma multidão especialmente quando esta reage como se o ontem  não existisse e o amanhã fosse uma uma onda gigante de qualquer coisa que não sabemos o que é mas que queremos que nos atinja e nos leve ao zénite da felicidade e, já agora, nos mantenha lá enquanto os dígitos do calendário vão mudando rotineira e compassadamente.  

     Dá-se e troca-se tudo, até o siso,  por uma mudança de um dígito de calendário. 

     Estudámos e aprendemos que o ser humano é altamente predizível, ou seja, que  se pode predizer ou prever a forma como  responde quando sujeito a estímulos padronizados. Bom, isto é capaz de ser contraditado pela mudança de um simples  dígito de calendário no final de um ano civil e princípio de outro. O mesmo ser humano que se mete alegremente  no meio de uma multidão para fazer compras dos últimos luxos possíveis que, qual tapete mágico, o irão transportar à felicidade indizível, está disposto a atropelar tudo e todos para ser o primeiro a sair de um parque de estacionamento, mesmo que pela frente tenha centenas de carros e condutores insanos e ímpobros  pouco ou nada dispostos a ceder  um milímetro de espaço no lugar que ocupam na linha de saída.

     Em boa verdade, o calendário é mentiroso;  mudando não muda nada. Mudar está em nós, não no calendário. E mesmo aqueles dígitos que se sucedem diariamente e que uns dias nos fazem felizes e outros dias nem por isso, não passam de uma forma que arranjámos para armazenar memórias de acontecimentos e factos reais  que vão moldando a nossa vida. Se pudesse, acabava com o calendário ! Preferiria, apesar de tudo, contar as luas, porque essas sim, mudam muita coisa, mesmo aquelas que não damos conta que mudam.

     Como está dito no evangelho de Mateus: "Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal".

     É por tudo isto que acho que a festa que os mundos fazem por causa da mudança de um dígito, é a festa mais irracional do mundo. Depois disso, só o Carnaval. Ora eu, considero-me, sobretudo uma pessoa racional.

     Porque é que escrevo acerca disto ?  Provavelmente porque me deu a lua, ou porque apanhei lua. Vá lá saber-se !



Jacinto Lourenço     Janeiro, 2019